O inferno são os outros

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Meu consumo é mais inteligente, meus gostos são melhores, sou mais bem informado, sou mais inteligente, frequento lugares melhores e assim por diante. Se você age e pensa como eu, ótimo, você também tem bom gosto e está correto. Agora, caso pense diferente de mim, sinto lhe informar, mas é uma pessoa de pouca classe.

Se não frequenta lugares finos, caros etc. lamento, mas não tem classe alguma. Toma cerveja destas comuns? Então serei obrigado a lhe dizer que tem um tremendo mal gosto e faz parte da massa, do povão. Compra suas roupas no Brasil e passa as férias por aqui mesmo? – Quanta pobreza de espírito. Votou no Lula e come mortadela? – Seu petralha nojento.


O texto acima é absurdo e pode parecer exagerado, mas infelizmente não é. Estamos vivendo um tempo em que as coisas são cada vez mais 8 ou 80, sobretudo no império do consumo (que vale também para o consumo de ideias, estilos e valores). Com o acirramento das disputas políticas, muitas práticas, pensamentos e estereótipos tem sido associados aos “dois lados”, cada qual sofrendo suas consequencias, gerando inclusive vários casos de violência física e verbal. Mas esta pressão de consumo e diferenciação através dos gostos e escolhas também tem atingido os games de maneira contundente.

De tempos pra cá, admitir ser consumidor de jogos AAA pode parecer uma confissão de ignorância e mal gosto. Não ter instalado no celular ou no computador os grandes indies da moda pode pegar muito mal em feiras de tecnologia ou em eventos acadêmicos. Sequer conhecer estes jogos então é praticamente uma sentença de morte.

Grosso modo, esse gamesnobes geram mais aversão do que conquistam fãs, devido a uma postura extremamente elitista, que parte tanto de pesquisadores como de jogadores mais “envolvidos” com o meio, vamos assim dizer. Não basta falar sobre os jogos dos quais se gosta, mas parece haver a necessidade de ridicularizar o gosto alheio, sobretudo se tratar-se de um jogo mais popular.

A comunidade gamer tem protagonizado cada vez mais cenas de extremismo e preconceito (que sempre estiveram lá, mas não eram escancaradas pela internet). O exemplo dos gamesnobes é apenas um deles. São notícias quase diárias de comportamentos infantis e deploráveis. Ainda hoje li que a comunidade de jogadores inundou o canal do Steam com reclamações a respeito do personagem transexual presente na expansão de Baldur’s Gate.

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Pior do que isso é ver um brasileiro defender o personagem e ser chamado de gay enrustido, esquerda fdp e petralha. Da para perceber bem o nível de argumentação dos agressores. Acho que os indies brasileiros vão até pensar duas vezes antes de criar um personagem que use roupa vermelha hoje em dia.

É fundamental que os demais jogadores sejam duros com esse tipo de comportamento, reportando e denunciando. E se você conhece todos os indies do mundo e não joga mais nenhum AAA, seja legal, apresente estes jogos a seus amigos e lembre-se que foi através dos jogos mais populares que você conheceu os videogames.

Gustavo Nogueira de Paula

 

Orgulho por tabela

As vezes assistimos na TV algumas histórias emocionantes de superação, como por exemplo no Esporte. O rapaz pobre que corria descalço por canaviais e depois ganha uma corrida de rua. Menino com problema na prótese que termina a corrida num pé só. Mulher com 17 irmãos que vira profissional no judô depois de muitos anos etc. Não há muita explicação nisso, mas ficamos com aquela pontinha de orgulho pela conquista daquela pessoa batalhadora. Isso acontece em situações mais próximas a nós também, como quando um amigo conclui sua graduação, um parente se casa, ou qualquer outra situação cotidiana semelhante. Ficamos felizes e espalhamos essas notícias, bem como essa felicidade. Essa semana foi assim, com o lançamento do Porcunipine no Steam.

Porcunipine

Produzido pelo pessoal da Big Green Pillow, de Bauru e participante desde o primeiro Glitch. A galera é muito gente boa, jovens criativos e com o desejo de fazer bons jogos, de forma original e sem dever nada para nenhuma grande produtora. Com muita humildade estão conquistando seu espaço e creio até que acabem não ficando muito mais tempo no Brasil. Bom pra eles devido a crescimento da carreira, “ruim” para nós que cedo ou tarde pode acabar perdendo esses talentos.

Porcunipine é um Party Game, daqueles feitos para serem jogados junto com os amigos, de maneira descontraída, para dar risada e se divertir com bastante gente. Se conseguir um Porcunipine na tela da sua TV da sala durante um jantar com convidados, pode apostar, será tudo muito mais engraçado. O cenário é simples: São quatro Porcos espinhos carecas (coitados), com um espinho só. O objetivo não poderia ser mais óbvio, senão o de atirar nos colegas em pequenas arenas, num curto espaço de tempo. Acertou mais ganhou. Só cuidado para não se matar, algo que não é nada difícil.

Porcunipine 2

O jogo vem ganhando mídia, sendo destaque em vários blogs e vídeos do Youtube mundo afora. Não sou tão famoso quanto esses sites/youtubers, mas por outro lado eu tive a oportunidade de jogar diretamente com quem fez o jogo, inclusive durante a fase de acertos, ajustes, testes etc. Independente da mídia, Porcunipine é um jogo e tanto e vale a pena ser conferido, principalmente por ter sido feito aqui no interior do nosso Brasil, na grande/pequena Bauru.

Da muito orgulho ter visto de perto a evolução do jogo, as diferentes versões, os testes feitos com crianças e jovens no Sesc Bauru e agora poder ver à venda pelo Steam, tendo a chance de obter ainda mais destaque. Além de orgulho, nos enche de esperança de cada vez mais vermos produções nacionais, independentes, ganharem o cenário mundial.

Gostaria ainda de lembrar aos jogadores que não é a opinião de um Youtuber Americano ou Europeu que faz um jogo bom ou não, que faz um  jogo valer a pena ou não. Precisamos dar mais crédito a nossas produções e TAMBÉM a nossas opiniões. Muita gente ainda é refém de Venom’s e Monark’s da vida para lhes dizer o que é legal ou não. Assim como temos games independentes nós temos mídia independente, fiquem de olho.

No mais, jogue Porcunipine. Tenho certeza que vai adorar e se ainda tem alguma dúvida do potencial nacional, aposto que irá mudar sua opinião depois dessa experiência.


Gustavo Nogueira de Paula